Hoje a fumaça do café me fez refletir
sobre o “ser mulher”.
Que “ser” é este?
Complexo. Convexo. Incompreensível. Incompressível.
Que mulheres somos? Que fomos? O que trazemos de cada fase da
vida? E o que levamos adiante? O que devemos guardar e quando devemos aliviar a
mochila?
(É, porque
se for para carregar tudo o que aprendemos da vida, vamos virar tartarugas..
Não na idade, mas no peso que carregaremos nas costas! Desapega!!!!)
Como manter a leveza sem desperdiçar o
conteúdo?
Ao longo da vida ganhamos camadas. Uma no útero – É da genética. Outra na infância – É da mãe. Outra na adolescência – São as amigas, as
novelas, os livros, os filmes.
Quando nos tornamos mulheres de fato, somos uma verdadeira massa
folhada!! Com recheio e tudo...
O recheio às vezes é bom.. Às vezes ruim. Às vezes saudável,
outras indigesto. Às vezes agradável, outras insuportável...
É que tudo depende dos temperos que fomos acrescentando, aqui e
ali. Um gesto, um carinho. O excesso. A falta...
A menina, a mocinha, a mãe, a madrasta, a bruxa, a fada... Tá todo
mundo lá... guardado no escuro do nosso inconsciente. Dormindo ou gritando.
Sorrindo ou esperneando...Influenciando nossas atitudes. Os monstros ainda
estão no armário. As saídas secretas também.
A resposta também está lá...bem escondidinha... dentro daquela
caixinha de música. Dentro daquele diário. Naquele porta-jóias...
Eu li num livro ("As
Brumas de Avalon" ) que a vida da mulher Celta era dividida em fases,
assim como as estações do ano. Primeiro, ela era "a Donzela", ou
a instável Primavera. Depois, "a
Sacerdotisa" ou a "Mãe" ou o frutífero Verão, então, tornava-se
"a Senhora", o plácido Outono. Por fim, era "a Velha", o
frio Inverno.
Quando se era a Donzela, se devia obedecer a todo mundo. O seu
querer tinha que ser subordinado ao das mulheres mais velhas. Uma alusão à
submissão da mulher jovem aos pais e a sociedade. Não se tinha vontade própria.
Era preciso ser protegida da maldade humana e da própria impertinência. Ela era
a curiosidade e a inocência. Ao mesmo tempo era imprevisível, instável, cheia
de energia, como a Primavera.
Quando a Donzela se tornava "a mãe", mesmo não tendo
filhos, já começava a governar a própria vida. Era livre. Escolhia com quem
queria casar ou se queria casar. Não baixava a crista para ninguém. Ela ainda
devia se sujeitar à Senhora, porém não raro a enfrentava. Se tentavam
domina-la, discordava. Rebelava-se. Era fértil, quente, intensa. Podia ser
feroz se necessário, tanto quanto uma chuva de Verão.
Inteira. Dona do seu nariz. Voluntariosa. Vigorosa. Teimosa, às
vezes. Achava que já sabia de tudo.
Perspicaz como uma águia. Não tinha mais a inocência, nem o
frescor da donzelice. Mas tinha todo o vigor físico e mental. Bela. Sedutora.
Corajosa. Misteriosa. Uma Mulher! Com "M" maiúsculo. Sabida! Mas, não
Sábia. Ainda não.
Essa fase durava dos 25 até uns 50 anos de idade.
Aos poucos, o tempo passa. Novas donzelas chegam. Cabelos se
grisalham. Subir aquela montanha ou aquelas escadas não é mais tão fácil como era antes. Ela até
consegue ir mais longe.. .Mas, tem que ir mais devagar.
Ao se ver no espelho, ela vê reflexos da donzela sendo escondidos
sob rugas e marcas de expressão. Às vezes, a “Velha” aparece para lhe
assombrar. Às vezes, ela tem medo da morte. Mas, são vultos rápidos que passam
logo. Ela não tem tempo a perder com bobagens...
Ela sabe que é assim. Foi educada para passar por tudo isso. Ela
sabe que a vida segue o fluxo das estações. Entende os ciclos e aceita as
mudanças que o outono traz.
Assim, ela se torna "A Senhora". Elegante, respeitável.
Para ela, homens, mães, donzelas, todos se curvam. Ela tem Poder no olhar. Tem
sexto sentido. Percebe os pensamentos e os sentimentos que a cercam. Tem a
"Visão" e a controla. Entende o passado e vislumbra o futuro.
Está finalmente apta a orientar as mais jovens. É firme, decidida.
Às vezes fria e implacável. Mas, só quando necessário.
Aos poucos, a Senhora vai dando espaço para "A Velha". É
a transição mais difícil. A Senhora não quer entregar o bastão. Não quer admitir
que precisa dar lugar a outra e recolher-se. Ela tem medo da sombra e tem medo
da morte.
Não é com pouco sofrimento que ela entrega o posto. Às vezes, se
veste de negro e fica a esperar o fim. Se teve uma boa formação e se de fato
amadureceu, logo aceita sua sina. Afinal, ela viveu bem todas as fases. Ela viu
as flores brotarem e desabrocharem. Ela viu as folhas do outono amarelarem e
caírem.
O inverno é frio, mas é também aconchegante. Ela tem os segredos
da vida e da morte. Ela faz poções mágicas. Ela é "A Sábia". Ela
finalmente sabe de tudo. E sabe disso!
Ela não está mais no centro das atenções. Não está mais no
comando. Porém, os guerreiros, os reis e os nobres vem a ela se consultar. Ela
fala com o olhar e sua presença impõe respeito.
Todos se levantam quando ela passa. Se soube viver bem todas as
fases, será respeitada, honrada e lembrada. Ela levará ao túmulo muita gente
que viu nascer. E quando chegar sua hora, terá muitos a lhe honrar. Seu nome
não será jamais esquecido. Tem um lugar de respeito na memória de todos os seus
filhos e filhas. Tendo saído de seu útero ou não.
O segredo da verdadeira beleza está em saber viver
com intensidade cada fase da vida. Tirar as cascas e trocar a pele. Aceitar o
fluxo natural das estações e se divertir com isso.