sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Tempo


O Tempo

Enquanto observo a paisagem correr para trás, fico a refletir sobre o tempo. O ônibus me faz sentir que ando para frente, embora o meu destino seja o passado.

Um passado distante, empoeirado, triste. Como um livro antigo que colocamos na estante e de tempos em tempos abrimos para folhear.

O passado.

Não se pode apagar. É como a fundação de uma casa. Precisa ser mantido inteiro, sem fissuras. Fica oculto, enterrado. Mas, se tiver qualquer problema, toda a estrutura desaba.

Nunca ouvi falar de reforma em fundação. Mas, sei de prédios demolidos que viraram novos empreendimentos, tendo-se aproveitado os alicerces.

Podemos nos reinventar, nos demolir e nos reconstruir mil vezes, mas a fundação sempre será a mesma.

Por isso, há que se cuidar dessa base. Mas, não se pode viver só dela.

Precisamos de parede, telhado, janela...

O futuro.

É a janela. Por ela, vemos o horizonte. Por ela vemos o amanhecer, o meio-dia e o pôr do Sol. É ela que me anuncia o começo e o fim da jornada. Precisa estar sempre aberta, arejada, livre. Nada de grades, telas ou cadeados. Quero minha janela escancarada.




O presente.

É o chão que eu piso. Foi de barro, foi de vermelhão. Foi de ardósia, é de porcelanato. Ora quente, ora frio. Gosto de pisar descalça, para sentir a textura, a temperatura. Para me conectar.

O chão me prende a realidade. Nele eu percebo que não sou mais que um grão na poeira cósmica que é nosso planetinha. Uma bactéria, uma mitocôndria. Ou menos que isso. Apenas um atomozinho. Um nada...

O Tempo.

Este sim. Eterno, ilustre, elegante. O ônibus segue para frente. A paisagem fica para trás. Meus dedos procuram as teclas e minha mente divaga. A janela do ônibus é larga, mas trancada.

Estou presa. Ao presente? Ao passado? Os pés estão no chão, mas meu chão se desloca. Sigo em direção a ontem. Lá esta meu pai. Minha memória. Meu sangue. Minha fundação.

Não se pode fugir dele.

É preciso que esteja inteiro. Resguardado. Restaurado. Vivo.

Melhor cavar mais um pouquinho. Ver se está bem firme. Quem sabe se eu colocar mais uma coluna? 

O presente pode melhorar esse alicerce. Mas, não perco muito tempo com isso. A janela continua mostrando que a paisagem corre. Cada vez mais rápido, para trás.




É o Tempo.

Avisando que não vai esperar mais nada. Tenho ganas de saltar da janela. Mas estou com os pés presos no chão. Melhor ficar por aqui mesmo, ao menos por enquanto. O Presente me chama de volta a realidade.

A janela vai ter que esperar mais um pouquinho. Falta pouco agora. A reforma segue em andamento conforme o cronograma. Logo, logo, a nova estrutura estará pronta.

Então, todas as janelas se abrirão... O ar fresco e a luz vão invadir todos os cantos da casa. Todos os dias serão de Sol e sempre será Primavera! 


terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Mensagem de Natal


This little light o’mine.. I’m gonna let it shine. Let it shine. Let it shine. Let it shine…

E o Natal começou assim. Sorridente, musical. No conforto do sofá, no aconchego da cozinha. Tudo perfeito. A comida cheirando no forno. A casa limpa. As plantas regadas.
A mesinha pequena teve uma ceia bem simples. Pãozinho, panetone, suco de uva, rosca natalina. Presentinho. Nada de mais. Nem de menos. Apenas o suficiente.

Eu estava feliz com meu Natal sustentável. Sentia-me bem comigo e com o mundo.

Foi quando me atrevi a olhar pela janela e não gostei do que vi. Aqui, de dentro do conforto da sala de jantar, havia me esquecido de como é o mundo lá fora.
Tiros, bombas, crianças com fome. Drogas, violência. Gente sofrendo. Meninos armados. Pais que acorrentam o próprio filho dentro de casa para protegê-lo dele mesmo e do crack.
Olhei de volta para minha mesinha simples e fiquei triste.  Eu achava que tinha feito minha parte. Repartimos o pão e as roupas com quem tinha menos que nós. Oramos a Deus pelos menos afortunados e agradecemos pela nossa saúde. Cumprimentamos os amigos. Enviamos mensagens pelo facebook...

Mas, o som dos tiros continua ecoando em meus ouvidos. A visão de hospitais cheios. O cheiro do sangue. A dor dos aflitos... Foi tirando aos poucos minha Paz.
Difícil dormir em uma cama confortável, enquanto milhares não têm onde descansar a cabeça.
Sei que é fácil se engajar daqui de dentro do conforto do meu sofá. Teclando em um computador. Usando os dedos para tentar mudar o mundo. Será que é possível? Será que é suficiente?

Enquanto crianças segurarem armas, não pode haver Feliz Natal!

Eu sei que nessa época todos nós só queremos ver imagens de alegria e confraternização. Sorrisos, festa, comida e bebida. Mas, enquanto comemos nossa ceia, milhares de crianças morrem pelo mundo. Vitimas da fome, da guerra e da ignorância.

E o que estamos fazendo para resolver isso?

Não adianta dizer que não é problema seu. Tudo está conectado. Eu, você, o menino que fuma crack em São Paulo ou no Rio ou na Bahia. A menina Palestina que acaba de ser estuprada por um soldado ensandecido. E o playboyzinho que depois de tomar todas vai passar com seu Audi sobre várias pessoas inocentes ou se arrebentar em um poste.

Agora, aqui do meu confortável sofá, não posso fazer nada. Só posso orar. E convidar quem eu conheço para fazer o mesmo. É um começo. E que não seja o fim.

Tiremos alguns minutos da nossa Noite Feliz e façamos uma oração por eles. Não custa nada. Não é muita coisa. Mas, se há um Deus no céu, ele há de nos ouvir. Quem sabe se todo mundo orasse um pouquinho, o mundo seria menos violento. Quem sabe??

Quem sabe o que poderia acontecer se todo mundo se incomodasse com essa situação?
Não quero ser mais uma pessoa da sala de jantar. Mas, ao mesmo tempo me sinto impotente.
Só orar não basta. Só desejar não basta. Deve haver algo que se possa fazer de fato. Mas, o quê?



Amanhã o efeito das festas terá passado e nossa vida voltará ao normal. Seremos engolidos pelo relógio e não nos lembraremos de mais nada. Nem de festa, nem de dor.
Entorpecidos pela rotina, deixaremos o sonho para depois. Afinal, é preciso trabalhar, estudar, atender compromissos, cuidar da família. Mudar o mundo? Eu? Agora não posso. Estou muito ocupado tentando sobreviver...

Que não seja assim. Que nossa luz não se apague. Que o ser humano reencontre a harmonia com a Terra. Que a violência seja banida para sempre.

Que cada um se esforce um pouquinho para fazer um mundo diferente. Não amanhã, nem no Ano Novo, nem depois que as contas forem pagas. Mas aqui e agora.

Um Ano Novo decente para todos!

“Never, never be afraid to do what's right, especially if the well-being of a person or animal is at stake. Society's punishments are small compared to the wounds we inflict on our soul when we look the other way.” 
― Martin Luther King Jr.