sábado, 15 de fevereiro de 2020

No fim da trilha escura

No fim da trilha escura 15/02/2020

Sentia que não tinha mais ânimo para escrever. Parecia perda de tempo.
Para quem? Por que? Sobre o quê? Não tinha mais motivação.

O mundo anda tão impaciente! Quem quer ler um monte de letras misturadas, quando é mais fácil ver o último viral no YouTube? Como conseguir leitores em um mundo dominado por imagens?

Ler cansa. Mas, é também um bom exercício. Ao ler, nossa mente constrói imagens e isso requer muitos neurônios. 

Imagino como eles se divertem quando são chamados a cooperar com o entendimento de uma cena. Como crianças, saem a transmitir sinais elétricos que viajam loucamente, desenhando figuras em nosso painel mental.

E por falar e viagem....

Uma mulher, entra em um quarto muito escuro. Dá um passo de cada vez. O chão é de madeira e faz ruídos estranhos. Ela tem medo. Não vê nada adiante, não sabe o que tem lá.

Perdeu a noção de espaço e de tempo. Não sabe onde está nem sabe como voltar. A porta se fechou. 

Sente os batimentos na garganta. Preciso sair daqui - pensa ela.
Mas, como? Sequer sei onde estou.

Por que abri essa porta? Pergunta-se, desorientada. Onde eu estava antes? Já não se lembra mais.

Ela segue. Passo a passo. Tateando em busca de paredes. Não há paredes. Só o chão que estala sob seus pés. Está frio, mas o ar é pesado. A escuridão é tão espessa que ela não consegue discernir nem mesmo sombras. Não há luz. Não há saída.

Não há ruídos, além do estalar dos tacos. Tacos? Onde já vi isso? Sua mente então dispara uma lembrança. É de uma casa. Escura e fria, com piso feitos de tacos de madeira. Ela é criança e está só nesta casa. 

Onde ficava mesmo a porta? Só há uma saída. Ela precisa achar o caminho de volta. Seria a mesma casa? E se não for?

Ela decide arriscar. Não vai ficar aqui esperando. Uma nova lembrança...João e Maria na floresta....Mas, os passarinhos comeram todo o pão..... A lenda do Minotauro...ah, se eu tivesse um novelo de lã... Para que servem as lendas, afinal?

Ela busca fundo na memória, pois já entendeu que seu cérebro está trabalhando duramente em busca de uma solução.  Ela imagina uma grande caixa de ferramentas aberta em sua tela mental. Está tudo muito bagunçado.  Ela se pergunta por que não organizou isso antes...

Enfim, essas ferramentas são tudo o que tenho. Qual delas vou usar? Não há luz aqui fora, mas, será que eu encontro uma lamparina?

Enquanto pensa, está parada. De que adianta andar, se não sabe onde está, nem para onde ir. 

Ela acalma sua mente.  Procura sentir os cheiros, ouvir os sons, perceber a temperatura... um calafrio lhe perpassa. Como se um vento frio e fugaz, ou como se alguém passasse rapidamente por ali. Há mais alguém aqui?
Apura os ouvidos. Parece ouvir o farfalhar de folhas....É o vento?

Não é mais a casa? Como foi que eu saí de lá, se nem me  mexi?

Agora é uma floresta. O som da madeira é substituído pelo som de folhas secas. Folhas secas. Ela gosta desse som, pois lhe faz lembrar de trilhas na mata, que gostava de fazer à luz do dia. Agora está muito bem. Posso andar por horas...

Mas... é noite. Fria e escura. Há animais à espreita. A trilha é demarcada? Como saber? Ela volta a andar e percebe que está subindo, pois sente que está se esforçando mais a cada passo. Subir é bom.... aumenta a perspectiva. Em breve verei a Lua ou as estrelas. Preciso de luz. É só do que preciso.

Arfante,  se apega a essa esperança. Chegar ao topo da montanha. Quem sabe lá haverá uma casa? E água? Tem sede e frio. Mas, não tem mais medo. A floresta lhe acolhe e protege.

A montanha parece infinita. O ar começa a faltar. Já não anda, engatinha. Se apega às pedras. Suas unhas sangram. Seus pés doem. Ela insiste. Não vai voltar atrás. Não quer a prisão da casa e não há de morrer no vale.

Vamos subir essa montanha, ou morreremos tentando. Morrer não é uma opção... mais quem sabe se eu dormir um pouco? Quem sabe o dia amanhece?

Enrolada no próprio vestido, ela dorme num cantinho. É um tronco. Se há perigos, não tem como se saber. Ao que parece, os bichos lhe dão uma trégua. Ou até a protegem... Pobre humana... Não sabe onde está se metendo....

Ela dorme por mil anos. Ou duas horas. Jamais saberá. Aqui não há tempo. A floresta continua lá. Espessa, escura e fria. Ela levanta, sacode a roupa e anda.

Uma luz pálida parece surgir. Não é mais montanha. É um platô. Uma trilha bem definida se abre à sua frente. Ela corre. Arrasta o corpo dolorido e magro. A luz parece piscar. Ora some, ora tremula no horizonte. É a Esperança. Sabemos que ela está lá, mesmo quando os olhos não podem vê-la.

Alcança a casinha. Ela se ilumina. A casa? Não! A menina! Olha para si e estranha. Não é mais uma mulher. Mas, uma garotinha. Com seu vestido de flores e um laço no cabelo. Ela bate à porta, desconfiada.

Uma senhora de bochechas rosadas e sorriso bondoso abre a porta. A casa é clara e muito ampla. Há uma enorme mesa de madeira. A senhora tem os cabelos grisalhos presos em um coque. Tem um vestido comprido e um avental gasto. A mesa está metade ocupada com farinha. Um rolo denuncia que alguém está preparando massa... na outra metade da mesa há cucas frescas. De uva e de maçã. A menina sente fome.

A senhora acolhe a menina e lhe põe um casaquinho. Pergunta quem ela é e de onde veio. A guria não diz nada. Ainda está confusa. Não sabe quem é nem como chegou aqui. Não entende como driblou o espaço e o tempo. Ela só sabe que andou, andou, andou....Até que chegou.

A vovó muito bondosa, porém rigorosa comanda a menina ao banho. Você está muito sujinha, minha filha. Não pode se sentar à mesa assim! Logo os outros vão chegar. Vá já se lavar!

Mas, não tenho roupas. Balbucia a garota. Tem sim! Responde a mulher. Suas roupas esperam por você no banheiro. Lá tem tudo o que você precisa. 

O banheiro, muito limpo, parecia coisa de filme. Uma banheira. Água quentinha. Toalhas felpudas com nomes bordados à mão! Tinha uma com seu nome! Como isso é possível? E roupas? Dão certinho em mim! Admirou-se a menina.

Após um demorado banho, afinal, nunca tinha visto tanto cuidado, a mocinha estava pronta. Arrumou seus cabelos em um rabo de cavalo com a fita azul que combinava com seu novo vestido. Colocou meias de algodão que pareciam proteger suas feridas. Calçou seus sapatos. Davam certinho no pé!

Ao chegar, todos estavam ao redor da mesa, conversando alegremente. Era uma família grande. Todos tinha o rosto rosado. Seu lugar estava reservado e ela se sentou. Todos falavam com ela com muita familiaridade. Curiosos, queriam saber de tudo. Ela ia respondendo em monossílabos.  Por que não tinha respostas.

A avó oferece um prato quente. É uma massa com molho de tomate. Tudo feito aqui! 

- Está uma delícia! Responde a mocinha.

Fim da noite. Ela se oferece para ajudar na limpeza. São muitos pratos. Todos ajudam. Em minutos, não há mais nada a fazer e todos podem ir dormir.

Ela tem medo. E se eu acordar naquele lugar horrível de novo? E se não achar o caminho de volta dessa vez?

A avó lhe consola. No meio de um abraço apertado e aconchegante ela diz: lembre-se da caixa de ferramentas. Foi mexendo nela que você encontrou a luz que te guiou até aqui.

Você tem luz. E tem família. Você tem quem olha por si. Enquanto houver luz, haverá esperança. Confie na luz, mesmo sob trevas densas. Após uma longa jornada haverá descanso. Eu estarei aqui para acolher você, sempre que precisar. 

A menina dormiu. E acordou mulher. Em sua casa. Como seus boletos para pagar e seus problemas para resolver. 

Que sonho louco! Ela se levantou sem lembrar direito dos detalhes. Mas, como uma vontade enorme de cozinhar.  🤗😊

...

Se chegou até aqui, muito obrigada por sua leitura

Conte nos comentários como imaginou a cenas? Como era a avó, a menina e a mulher na sua imaginação? 

3 comentários:

  1. Serve pra tanta gente que pensa que não verá mais essa luz né amiga

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  2. Serve pra tanta gente que pensa que não verá mais essa luz né amiga

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    Respostas
    1. Verdade, amiga. É preciso seguir em frente. Manter viva a esperança, pois o dia logo amanhece. A Luz sempre vem. Um beijo e um abraço bem apertado.

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