quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Relicário - Uma interpretação simbólica livre

Era uma índia com colar...

Relicário - Eu tenho um chamego por essa canção do Nando Reis. Ficava imaginando o que ele queria dizer. Confesso que nunca entendi a letra na sua totalidade. Ela vai se descortinando e permite múltiplas interpretações. 

Um dia  uma terapeuta colocou essa música na minha sessão e se fixou em um verso: Atrás do filho vem o pai, o avô... para tratar da ancestralidade, que era o tema da nossa sessão naquele dia. Desde então, eu fiquei com essa música na cabeça. Ela trouxe uma leitura completamente nova e intrigante. 

O que você está dizendo....milhões de frases sem nenhuma cor...

Mas, será que as frases são soltas e desconexas como parecem ser? Será que cada verso tem um significado específico que não se relaciona aos outros? Será que os versos são como vitrais coloridos que o Nando foi extraindo do seu inconsciente e montando em seu Castelo à revelia da lógica? O que mais tem nesse colar indígena?

Um relicário imenso desse amor...

Depois de ouvir uma linda interpretação simbólica sobre a música "Cegos do Castelo", feita por uma professora, resolvi colocar no papel as minhas impressões sobre o relicário. 

Imagino um casal. Ele, viúvo repentinamente. Ela, abruptamente mudou-se para outra dimensão. 

Ele sente muita saudade. Ela tenta se comunicar e avisar que não está morta. Embora, tenha se esforçado para... 

Como no Feitiço de Áquila, eles têm um breve momento no crepúsculo - Que é quando se encontram e conseguem se ver em um mundo onírico, colorido pelo sol que entardece sobre as águas. O Sol - o calor dos vivos - As águas representando as emoções e o desconhecido. O Sol - ele. As águas - ela.

É uma índia com colar
A tarde linda que não quer se pôr
Dançam as ilhas sobre o mar

Ele está sonolento. Quem sabe em uma rede. Quem sabe em um barco. O calor e o balançar das ondas o inebriam e o levam a um estado de transe. Ele entra em contato com aquela dimensão onde sua amada ainda vive. Ele a vê, enrolada nas nuvens e nas cores do entardecer. Ele fica estupefato. E confuso, tenta um contato. E fala uma bobagem qualquer, como uma criança que tenta fazer amizade com um coleguinha que admira muito...

Sua cartilha tem o A de que cor?

Entre dois mundos, sua consciência tenta trazê-lo de volta à realidade....mas, o que é real e o que é imaginário afinal? Por que no mundo dos sonhos tudo parece tão óbvio, mesmo que o relógio gire ao contrário? Mesmo que as frases não tenham sentido?

O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou
O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou

Havia uma brincadeira de criança que consistia em fazer algum tipo de promessa com um cílio entre os dedos dos envolvidos no certame. Ao separar os dedos, o cílio ficava com quem ganhava... ou perdia.. não lembro direito... Mas, eles fizeram alguma promessa com esses dois cílios em pleno ar.... Que promessa seria essa?

E são dois cílios em pleno ar...

Você me leva para esse lugar onde eu não consigo ir sozinho? Você volta para me ver amanhã? Me deixe um cílio e fique com o meu. Para guardarmos na memória quando a noite levar embora essa lembrança.

Atrás do filho vem o pai e o avô

Agora que estou aqui, entendo tudo. Somos filhos do nosso passado. E dele não podemos fugir. Nossos ancestrais viveram e morreram para que tivéssemos este momento no tempo.

Por que ela se foi? O que a tirou daqui de forma tão repentina? Uma bala? Um suicídio? O tiro volta a repercutir como se aquele momento ficasse retido no tempo. Repetindo, repetindo, repetindo...ecoando pelo céu...Espantando os pássaros que sobrevoam as águas profundas e frias do seu inconsciente.

Como um gatilho sem disparar
Que invade mais um lugar
Onde eu não vou

Eu não consigo ir aonde você vai. E o portal se fechou. Estamos separados por um véu. Aqui é sempre noite. É frio e escuro. As flores não nascem. Por mais que eu tente. Veja esses vasos... Só terra seca...

O que você está fazendo?
Milhões de vasos, nenhuma flor
Oh uô uô, o que você está fazendo?


A morte não mata a dor. E meu amor continua vivo. Sangrando e doendo. Cada vez mais. Cada vez maior...E vou guardando relíquias de memória nas conchinhas que cato nas tardes infinitas do meu mundo.

Um relicário imenso deste amor

O tempo passa. E como no Feitiço do velho bispo, nosso tempo se esvai. Já vai longe a noite. Logo você vai acordar e não vai se lembrar de mais nada...

Corre a lua porque longe vai?
Sobe o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por esta noite

Eu não quero esquecer. Não quero que a noite passe. Não quero que o Sol nasça. Quero a noite eterna do seu olhar de índia. Quero curar a sua dor e cuidar do seu jardim.

Porque está amanhecendo?
Peço o contrario, ver o sol se pôr oh uô uô uô

Mas, o Sol continua a nascer, apesar dos meus esforços. Debalde os meus pedidos. Eu não vou lembrar de tudo. Mas, guardarei as cores da sua pele. E lembrarei de ti a cada pôr do Sol. Somente no sonho posso te tocar. Mas, não consigo te sentir. Por que você se foi? 

Porque está amanhecendo?
Se não vou beijar seus lábios quando você se for…

E se nossa alma for mesmo eterna? E se o amor que vivemos ontem virar semente para um novo encontro no futuro?

Quem nesse mundo faz o que há durar
Pura semente dura o futuro amor

De onde estou, me comunico pela natureza. Você me encontrará no som da chuva, no arco íris e no bater de asas de uma borboleta...

Eu sou a chuva pra você secar
Pelo zunido das suas asas você me falou

Mesmo que não entenda o que eu digo, por que o sonho subverte a lógica vigente, ainda assim estarei lá. E o que você não entende no nível da consciência, sua emoção traduzirá em poesia.

E o que você está dizendo?
Milhões de frases, nenhuma cor, ôô
O que você está dizendo? Uh huh
Um relicário imenso deste amor
O que você está dizendo?

O sonho se esvai. E o que parecia tão real e tão claro agora é obscuro e confuso. A índia, o colar, o Sol, as águas.. .tudo se embola em um redemoinho estranho... Eles se despedem. E o dia amanhece, implacável como a realidade.

O que você está fazendo?
Por que que está fazendo assim?
Está fazendo assim?
Está fazendo assim?
Está fazendo assim?

E o poeta volta a dormir. Pela manhã, se levanta. Sente uma dor imensa. Uma saudade indefinida. Compra um vaso. Planta uma flor. Cuida de um jardim. E segue a escrever poesias. Ele não quer mais dormir. De olhos abertos lhe esquenta o Sol....

Descanse em Paz, Índia. Nos vemos no crepúsculo.... Mas, se você quiser me olhar...se você quiser me achar... E se você vier de novo, eu vou cuidar de você, do seu jardim, do Céu, do Mar, de você e de mim....

OBS: O Nando Reis explicou o que ele sentiu quando escreveu essa música. Porém, como é uma obra de arte, ao ser entregue ao mundo não pertence mais ao autor. Ele mesmo concorda que o significado muda, transmuta, transforma-se, a depender do estado de quem lê. Essa é a interpretação que me ocorreu. Compartilhe suas impressões. Adoraria ler sua análise.

Aqui vai a explicação do autor: 


Namastê.

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