sábado, 25 de maio de 2019

Transracional - racionalizando as raças.

Está na moda. Hoje em dia todo mundo quer ser trans alguma coisa.
Pois, eu não vou ficar de fora! Também quero ser trans. A partir de hoje, sou trans...transracial!

Passei muito tempo tentando me encaixar em uma definição de raça e não consegui. Entre negros, sou branca. Entre brancos, sou negra...ou moreninha....ou mulatinha...
A verdade é que sou brasileira. Ou seja...tudo isso aí misturado em generosas e mal distribuídas porções.

Minha linhagem materna ancestral um dia oprimiu minha linhagem paterna. Sim, é verdade. Um dia no passado uma hélice do meu dna estava tratando sua outra parte na base da chibata! Ok! Mas, por outro lado, essa mesma linhagem criou coisas incríveis, como as caravelas e o pastel de nata.....ah....o pastel de nata! Quem inventa uma coisa dessas só pode ser boa gente!

A hélice oprimida por sua vez não tem só mocinhos. Também existe opressão e morte nas tribos. Negar isso seria negar a natureza humana.

Pois, de hoje em diante não sou branca, nem preta, nem morena, nem mulata. Sou s.r.d....raça indefinida....transracial!

Acredito que o brasileiro nasceu para reconciliar. Imagine que no mesmo corpo você traz a herança genética de conquistadores e de colonizados. Células de guerreiros, de escravos, de ladrões, de assassinos, de violência e de dor. Bem como, de coragem, fibra, resiliência e amor.

Minha mão direita chicoteia minha espalda esquerda, só para perceber que a dor é a mesma, pois somos um só corpo. Uma só humanidade. Até quando? Essa luta desigual irá aos poucos destruir o que há de mais belo em todos os povos.

Quando eu estava no Colégio, em uma das aulas de literatura a professora apresentou o poema "Marabá" de Gonçalves Dias. Ele apresenta a angústia de uma mestiça rejeitada pela tribo a qual ela queria pertencer. Observe que o que ela possuía de mais lindo de uma ancestralidade era visto como defeito pela outra parte. E ela viveu triste se vendo feia, por se espelhar nos olhos de quem não via a sua beleza.

Abracemos então o belo e o feio de todas as etnias que nos compõem. Somos todos filhos da humanidade. Que os erros do passado nos permitam mudar o futuro na direção de um mundo colorido, mestiço e belo, como Marabá. Que as diferenças sejam somadas e as divisões subtraídas. Somos todos um!


Marabá - Gonçalves Dias 

Eu vivo sozinha; ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
— Tu és, me responde,
— Tu és Marabá!

— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!

Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços,
Responde anojado; "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"

— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. —

Se ainda me escuta meus agros delírios:
"És alva de lírios",
Sorrindo responde; "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."

— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —

"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
"Qual duma palmeira,
Então me responde; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
"Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."

— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os ver tão formosos como um beija-flor!

Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá."

E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:

Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!